Dengue: Características e diagnóstico laboratorial

Dengue: Características e diagnóstico laboratorial

 

A dengue é a doença urbana transmitida por artrópodes de maior prevalência nas Américas e junto com outras arboviroses constitui um dos principais problemas de saúde pública mundial. As infecções são mais recorrentes em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento e estima-se alta possibilidade de subnotificação dos casos devido à falta de vigilância epidemiológica eficiente. Em relação ao Brasil, segundo o último boletim epidemiológico de monitoramento dos casos de arboviroses do país, quase 1,5 milhão de casos prováveis foram reportados no ano de 2022. Um aumento de 162,5% dos casos em comparação ao ano de 2021.

A dengue é uma doença febril que pode ser transmitida por meio de vetores, verticalmente e por transfusão sanguínea. Sendo a vetorial, a forma mais comum de transmissão e a vertical de ocorrência muito rara. Os casos da doença podem variar de graves a assintomáticos, e em sua maioria, não há evolução clínica crítica. Porém, pode ser fatal, quando há agravamento clínico. Pode acometer indivíduos de qualquer idade, sexo ou raça. Entretanto, idosos, grávidas, crianças e portadores de doenças crônicas como diabetes, anemia falciforme, hipertensão, asma e infecção prévia por outros subtipos do vírus estão mais susceptíveis à gravidade da doença. Além disso, os sinais clínicos de outras arboviroses urbanas como ZIKA e Chikungunya, em geral, são semelhantes, dificultando o diagnóstico e manejo clínico adequado, o que também pode acarretar em ocorrências de casos graves e óbitos.

 

SINTOMAS

A infecção pode ser assintomática em alguns indivíduos e em outros causar sintomas clássicos febris. O período de incubação da doença é de 4 a 10 dias após o contato com o vírus. E, os sintomas agudos surgem após esse período, com duração de 2 a 7 dias. Geralmente, a sintomatologia da doença consiste inicialmente em febre acima de 38 °C, cefaleia, dor retro-orbitária, mialgia, artralgia, vômitos, diarreia, náuseas e inchaço nos linfonodos. Também, na maioria dos indivíduos acometidos, há lesões exantemáticas do tipo maculopapular, as quais atingem face, tronco e membros. Após essa fase febril, entre o 3º e o 7º dia do início dos sintomas, podem surgir sinais de alarme como vômitos sanguinolentos persistentes, dor intensa abdominal contínua, sangramento de mucosa, hipotensão postural, letargia, acúmulo de líquidos e hepatomegalia. Que sugerem piora clínica e posterior complicações relacionadas à choque por extravasamento plasmático, hemorragias intensas, falta de ar e acometimento grave de órgãos com rins e fígado. A dengue grave é uma das principais causas de morte de crianças em alguns países da Ásia e América Latina, principalmente, devido à dificuldade de associação precoce das manifestações clínicas à doença, favorecendo o agravamento do quadro clínico.

 

VÍRUS

O agente etiológico causador da doença é o dengue vírus (DENV) que, possui quatro subtipos circulantes nas Américas: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 com linhagens e genótipos distintos. É classificado como um arbovírus, pois seu ciclo replicativo, ocorre parcialmente em artrópodes, e são capazes de veicular-se através desses insetos. Nesse contexto, as espécies de mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus são importantes transmissores do vírus para os seres humanos. É comum infestações dos mosquitos, principalmente do Aedes aegypti, em locais com alta densidade populacional, propiciando oferta alimentar e locais de desova para as fêmeas. Essas infestações ocorrem principalmente no verão, pois há chuva com mais intensidade e altas temperaturas, fatores que contribuem para a eclosão dos ovos. Outro fator está atrelado à problemas de infraestrutura em alguns locais, como falta de fornecimento de água adequado, que resultam em armazenagem da água em grandes recipientes, sem vedação suficiente e se tornam alvos de artrópodes.

Pertencente ao gênero Flavivirus e à família Flaviviridae, o dengue vírus é um vírus de RNA (ácido ribonucleico) de fita simples de sentido positivo. Os arbovírus, são envelopados esféricos e possuem uma única janela de leitura aberta (ORF), que é traduzida em uma única poliproteína. Durante a replicação, a proteína viral é clivada e resulta em 10 proteínas maduras. O terminal N da poliproteína codifica as proteínas estruturais do capsídeo (C), de membrana (prM/M) e de envelope (E). E o restante codifica as outras 7 proteínas não estruturais (NS1, NS2A, NS2B, NS3, NS4A, NS4B, NS5) (figura 2). A proteína NS1 desempenha papel importante na replicação viral e está fortemente envolvida ao estímulo da resposta imunológica contra DENV.

 

Fonte: BMC, 2022

 

RESPOSTA IMUNOLÓGICA HUMORAL

Todos os seres humanos estão susceptíveis à infecção pelo vírus da dengue. Porém, a ocorrência de uma infecção por um sorotipo, resulta em resposta imunológica adquirida permanente (homóloga). Em contrapartida, a proteção induzida por imunidade cruzada (heteróloga), é temporária, sendo parcialmente ativa contra outros sorotipos do vírus. Quando há infecção primária, os anticorpos do tipo IgM (Imunoglobulinas do tipo M) são produzidos rapidamente e podem ser detectáveis em testes imunológicos a partir do sexto dia de sintomas da doença. De outro lado, para as infecções secundárias por outro sorotipo, os títulos de anticorpos do tipo IgG aumentam rapidamente e IgM estão em menor produção. É importante frisar que, os anticorpos da classe IgM atingem o seu pico máximo após 2 semanas do início dos sintomas, diminuindo nas semanas subsequentes, porém, em infecções primárias, apesar dos níveis mais baixos, os anticorpos desse tipo podem ser detectáveis em testes sorológicos por até 3 meses. Ainda, há indivíduos que apresentam produção de anticorpos mais tardiamente, sendo detectáveis apenas após o 10º dia de sintomas.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

As infecções agudas causadas pelo vírus da dengue são diagnosticadas por meio de testes laboratoriais, juntamente com observações clínicas, principalmente, por meio de detecção de antígenos, e em casos tardios, pela sorologia com detecção de anticorpos IgG e IgM. Apesar dos métodos de detecção viral moleculares serem altamente específicos, a maioria dos locais com alta incidência de casos da doença não tem infraestrutura para aplicá-los rotineiramente.

 

Testes Diretos

Detecção da proteína NS1 do vírus (antígeno) (ELISA ou TESTE RÁPIDO)

  • Importante marcador durante a viremia;
  • Alta sensibilidade (durante a janela de detecção correta);
  • Tipo de amostra: Sangue, soro ou plasma;
  • Melhor janela de detecção: período do início febril;
  • Tempo de execução: menor que 24h.

 

 Pesquisa viral – Isolamento por inoculação celular

  • Método padrão ouro (mais específico);
  • Permite identificação diferencial dos sorotipos (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4);
  • Tipo de amostra: Sangue, fragmentos de vísceras (posmortem) e líquido cefalorraquidiano;
  • Melhor janela de detecção: período de viremia (até o 5º dia do início dos sintomas);
  • A amostra clínica deve ser preservada, caso não seja feito o teste rapidamente, deve-se armazenar em temperaturas de -70 ºC;
  • Tempo de execução: aproximadamente 7 dias.

Pesquisa do genoma viral por método reação em cadeia da polimerase via transcriptase reversa RT-PCR

  • Altas Sensibilidade e especificidade
  • Permite detecção de ácidos nucleicos virais;
  • Tipo de amostra: Sangue, fragmentos de vísceras (posmortem) e líquido cefalorraquidiano;
  • Melhor janela de detecção: período de viremia (até o 5º dia do início dos sintomas)
  • A amostra clínica deve ser preservada, caso não seja feito o teste rapidamente, deve-se armazenar em temperaturas de -70 ºC.
  • Tempo de execução: de 24h a 72h.

 

Sorológicos

Pesquisa de anticorpos IgM (MAC ELISA ou TESTE RÁPIDO)

  • Detecção de infecção tardia (após 6º dia de início dos sintomas);
  • Alta sensibilidade (durante a janela de detecção correta);
  • Tipo de amostra: Sangue, soro ou plasma;
  • Melhor janela de detecção: período febril tardio até, aproximadamente 14º dia de início dos sintomas;
  • Deve ser interpretado utilizando informações epidemiológicas, observando a circulação de outros Flavivírus na região.
  • Para infecções durante a primeira semana de sintomas, deve-se adicionar teste de antígeno ou RT-PCR;
  • Tempo de execução: menor que 24h

 

Teste de neutralização por redução de placas (PRNT) Detecção de IgM

 

  • Alta sensibilidade e especificidade;
  • Detecção de anticorpos neutralizantes específicos contra o vírus da dengue;
  • Teste confirmatório;
  • Tempo de execução: 5 dias;
  • O teste pode não ser útil em áreas com alta circulação e para viajantes com exposição à longo prazo aos arbovírus;
  • Teste relativamente oneroso.

Posmortem

Estudo anatomopatológico seguido de pesquisa de antígenos virais por imuno-histoquímica (IHQ).

 

EXAMES COMPLEMENTARES INESPECÍFICOS

Hematócrito

Contagem de plaquetas

Dosagem de albumina

 

TRATAMENTO E PREVENÇÃO

Na maioria dos casos da doença, há cura espontânea em até 10 dias, já os casos graves de dengue devem contar com suporte médico. Normalmente, há hidratação constante do paciente, para manter o volume do fluido corporal adequado.

Para prevenção da doença, é necessário controle do vetor Aedes aegypti por meio de conscientização da população quanto à eliminação de criadouros e às medidas de proteção individual, em áreas de transmissão da doença, para evitar picadas.

 

Autora: MsC. Angélica Cunha.

 

REFERÊNCIAS

Dengue vírus e vetor. Instituto Oswaldo Cruz. OC FIOCRUZ. Disponível em: <https://www.ioc.fiocruz.br/dengue/textos/oportunista.html#:~:text=Machos%20e%20f%C3%AAmeas%20do%20Aedes,necess%C3%A1rio%20%C3%A0%20matura%C3%A7%C3%A3o%20dos%20ovos> Acesso: 2023.

 

Dengue. OPAS. Disponível em: <https://www.paho.org/pt/topicos/dengue> Acesso: 2023.

Using amino acids co-occurrence matrices and explainability model to investigate patterns in dengue vírus proteins. BMC Bioinformatics.

Disponível em: <https://bmcbioinformatics.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12859-022-04597-y>. Acesso: 2023.

 

SOUZA et. al. Serologic Tests for Dengue Virus. Centers for Disease Control and Prevention. 2019.

Disponível em: <https://www.cdc.gov/dengue/healthcare-providers/testing/serologic-tests.html>

TOMAS et.al. Dengue Plaque Reduction Neutralization Test (PRNT) in Primary and Secondary Dengue Virus Infections: How Alterations in Assay Conditions Impact Performance. Am J Trop Med Hyg. 2009.

 

Tissue Tests for Dengue Virus.  Centers for Disease Control and Prevention. 2019. Disponível em: <https://www.cdc.gov/dengue/healthcare-providers/testing/tissue-tests.html>

 

CDC DENV-1-4 rRT-PCR Multiplex and Trioplex rRT-PCR Assays, 2020. Centers for Disease Control and Prevention. Disponível em: <https://www.cdc.gov/dengue/healthcare-providers/testing/molecular-tests/assays.html>

 

Protolocolo colaborativo. Manejo da dengue, suspeita clínica, diagnóstico e tratamento. SUS BH. 2022.

 

Bhaskar et al., J. Prevalence, patterns, and factors associated with bleeding tendencies in dengue. Infect Dev Ctries. 2015. 9(1):105-110.

 

Dengue. Brasil. Disponível em: <https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/d/dengue> Acesso: 2023.

 

 

 

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